Medieval Law: Political and Historical Justification

  1. Medieval Europe and Feudalism

          The Medieval Period lasted from the 5th to the 15th century. It is important to highlight that, during such period of time, the European society as a whole underwent several changes. This time lapse is usually split up into three very distinct eras: Early, High and Late Middle Ages.

         The first one comprehends the extent of time between the 5th and 10th century and is commonly acknowledged by the vassal and lord relationships1 that interwove its last two centuries. Forasmuch as the decentralization of previous monarchies, the lands antecedently annexed by these governments were rendered in fiefs, each then ruled by a specifically selected overlord, who was responsible for administrating his respective jurisdiction. The tillage system and the barely nonexistent trade of goods as well as other commercial agreements forced the aforementioned way of structuring society into subsistence and self-sufficiency. Nonetheless, the frequent wars also contributed to keeping the contingent of inhabitants at low levels and settle in secure, closed and fortified structures.

            From the 11th century onward, during the High Middle Ages, a comparative outbreak of new commercial routes and trades, technological advances in the horticulture field and the declining number of armed conflicts enabled a rapid population growth. Such enlargement, however, speedily turned into a populace surplus since cultivation, even though more advanced and efficient, still was not enough to tend to people’s needs. That situation opened way to the establishment of guilds, which were responsible for a further change in medieval society.

            During the Late Middle Ages, those agglomerations of people, which lacked basic sanitary structure, and the arrival of merchants from all over the world led to the emergence and spread of various diseases. Such citadels and the hunger caused by insufficient farming occasioned the perishing of one third of the European population at the time.  However, the freshly restructured society made way for new types of political and social interrelations and marked the commencement of the transition process between feudalism and the Modern Age.

            It is important to note that feudalism did not develop equally in every region of Europe. For example, in France it reached strong expressivity while in Portugal its establishment was timid and uneven. Therefore, feudal Law and history are not uniform phenomena, however present several convergences that allow a generalizing perspective.

  1. Medieval Law

          In medieval Europe, Law was presented in two major forms: oral, from Barbarian traditions, and written, concerning compilations inherited from the Romans.

            Taking into consideration the facts that legal documents were penned in Latin, a language typical of ecclesiastics, and the majority of denizens were unable to read, the manuscripts were inaccessible to nearly all social stratums at the time. Thereupon, costumes took the role of ruling social interactions, what progressively shrunk the influence exerted by written law. The ordinance in most regions happened orally, what opened way to the rising and perpetuation of a consuetudinary Law2.  (BLOCH, 1979)

            However, such situation did not cause the total disappearance of written Law, only its approximation to a clerical context. As aforesaid, the scripts were inscribed by members of the Catholic Church, what enabled their usage to enforce personal interests of the institution, whether dogmatic or financial. Thus, a compilation of rules characteristic of a canonical Law was created.

            Considering the fragmentation and consequent political isolation of the system, each fief developed its own characteristic traditions and costumes, what caused the nonexistence of unified judicial processes throughout Europe as a whole. Each territory corresponded to a separate and independent legislative unit; therefore, each one’s Law and applicability were limited to its own inhabitants.

            On the other hand, during the Late Middle Ages, a revival of the lettered law tradition could be observed, what engendered a complete reformulation in European Law. With the change in social relationships, the judicial application of costumes also went through refinements. There was a simplification process whilst people were no longer judged by their ethnic ascendence in order to follow a common law in a bigger territory.

            Roughly, the medieval Law was characterized mainly by pluralism, “a superposition of juridical ordainments inside a single society, each linked to a determined social organization”. (COSTA, 2001) Thereby, despite of the existence of a canonical law, written and coterminous, the various fiefs conserved their own secular costumes, which ruled their respective social interactions. With the decline of isolation, the different traditions were condensed in juridical compilations that, posteriorly, opened way for a greater codification of norms and a new moment in the history of Law.


  1. The vassal and lord relationships were based on loyalty agreements. The suzerain sectioned the acreage under his commandment in order to delegate its administration to others, denominated vassals. These, on the other hand, owed their respective lords fidelity, backing in armored conflicts and a share of their harvesting. The beneficiaries then ended up repeating the fragmentation process, becoming suzerains themselves to other vassals and assuming the duty of protecting their subordinates.
  2. According to Olivier Devaux (Histoire des Instituitions de la France, p. 187-188), consuetudinary or costumary law can be summarized as “a non-written judicial practice […], consecrated by habit, acquiring compulsory strength over members of the concerned group”.


  1. References

            BLOCH, Marc. Os Fundamentos do Direito. In. BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1979. p 133-144.

            LE GOFF, Jacques. La baja edad media. 17. ed. México: Siglo Veintiuno, 1986. 336 p.

            RESENDE, Ana Catarina Zema de. Da justica e dos direitos senhoriais na obra de philippe de beaumanoir: Coutumes de beauvaisis. Brasilia, 1997. 124 f

            DAVIS, Kathleen. Sovereign Subjects, Feudal Law, and the Writing of History. Journal of Medieval and Early Modern Studies. Durham, v. 36, n. 2, p. 223-262, 2006.

            DELANEY, David. Running with the land: legal-historical imagination and the spaces of modernity. Journal of Historical Geography. Nova Iorque, v. 27, n. 4, p. 493-506, 2001.

            MATTOSO, José. A formação da nacionalidade. In: TENGARRINHA, José. História de Portugal. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, Fundação Editora da Universidade Estadual de São Paulo, 2000.

            COSTA, Alexandre A. Introdução ao Direito: uma perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Alegre: Fabris, 2001.

Direito Medieval: Justificativa Política e Histórica

  1. Europa Medieval e Feudalismo

        A Idade Média compreendeu o período entre os anos 476 e 1453. É importante ressaltar que, durante os quase mil anos de duração desse período histórico, a sociedade europeia sofreu modificações diversas. Esse decurso de tempo é geralmente dividido em duas fases bastantes distintas entre si, às quais se convencionou chamar por Alta e Baixa Idade Média.

          A primeira, do Século V ao X, caracterizou-se pelas relações de suserania e vassalagem1 de seus últimos séculos de duração. Com a descentralização das monarquias, as terras antes compreendidas por tais governos foram fragmentadas em feudos, cada um com seu respectivo senhor, ao qual cabia a administração de vários aspectos das esferas social e econômica de sua jurisdição. O modo de produção rudimentar e a quase inexistência de trocas e outras relações comerciais fizeram com que o sistema em questão se baseasse na subsistência e autossuficiência. Não obstante, as frequentes guerras também contribuíram para a manutenção de um baixo contingente populacional e sua manutenção em fortificações fechadas nas quais poderiam se refugiar.

          A partir do Século XI, já na Baixa Idade Média, houve um afloramento relativo do comércio, avanços tecnológicos no âmbito de cultivo – como a rotação trienal e o uso de ferro no arado – e a diminuição dos confrontos armados, o que ensejou o significante crescimento populacional anteriormente contido. Esse aumento no número de habitantes, no entanto, converteu-se em excedente rapidamente, visto que o sistema de produção feudal, apesar de mais avançado, ainda não conseguia se adaptar às novas necessidades alimentares que tais mudanças passaram a impor. Nessa situação, surgem os burgos, responsáveis por uma maior transformação da sociedade feudal.

          Já nos últimos séculos dessa era, tais aglomerações de pessoas em pequenas cidades que careciam de saneamento e condições higiênicas básicas e a presença de mercadores vindos de outras partes do mundo propiciavam a aparição e multiplicação de diversas doenças. Esse fato, aliado à fome oriunda da insuficiência produtiva, resultou no perecimento de grande parte da população. Mesmo com as inúmeras mortes, essa nova organização baseada no comércio abriu portas para novas formas de organização política e social e marcou o começo da transição entre o apogeu do feudalismo e a Idade Moderna.

          Deve-se notar que o feudalismo não se desenvolveu em todos os lugares da mesma forma. Por exemplo, na França alcançou forte expressão ao passo que em Portugal teve seu estabelecimento limitado. Enquanto na primeira houve forte descentralização e fragmentação do poder, a ocupação dos árabes na Península Ibérica proporcionou aos portugueses um maior contato com o comércio, o que explica seu pioneirismo na superação do modelo feudal2 e no estabelecimento de colônias. Sendo assim, a história e, por consequência, o Direito feudal não se tratam de fenômenos homogêneos, mas apresentam vários fatores comuns que lhes conferem uma certa unidade generalizante.

  1. Direito Medieval 

          Na Europa medieval, a tradição do direito apresentava duplo caráter: oral, próprio dos povos bárbaros, e escrito, no que diz respeito às compilações herdadas dos romanos. A duplicidade desse contexto é consequência da convivência entre essas duas culturas.

          Tendo em vista que os documentos legais eram redigidos em latim, língua restrita aos clérigos, e que a maioria populacional se encontrava em uma situação de analfabetismo, os códigos manuscritos eram inacessíveis a quase todas as outras esferas da sociedade da época. Assim, foi aberto um espaço para que os costumes assumissem o papel regente das interações sociais, minando progressivamente a influência exercida pelas leis escritas. Como consequência, o domínio jurídico na maioria das regiões se deu de forma oral, o que culminou no surgimento e na perpetuação de um Direito de viés consuetudinário3. (BLOCH, 1979)

          No entanto, tal fato não causou o desaparecimento completo da tradição manuscrita oriunda do direito romano, apenas o seu direcionamento para um contexto mais clerical. Conforme supracitado, tais documentos eram redigidos por membros da Igreja Católica, o que possibilitava sua utilização para fins de interesse da instituição, fossem eles financeiros ou dogmáticos. Sendo assim, criou-se um conjunto de regras característico de um Direito canônico.

          Levando em consideração a fragmentação e consequente isolamento político do sistema, cada feudo desenvolveu costumes e modos próprios, o que se refletiu na inexistência de processos judiciários unificados na Europa como um todo. Cada unidade territorial corresponde a uma unidade legislativa separada e independente, cuja aplicabilidade de seu Direito se limitava apenas aos seus próprios habitantes.

          Por outro lado, na Baixa Idade Média, houve um ressurgimento da tradição do direito escrito, o que gerou uma reformulação do Direito em todas as suas esferas. Com a modificação das estruturas sociais, a aplicação jurídica, inclusive a dos costumes, também passou por mudanças. Houve um processo de simplificação a medida que as pessoas deixaram de ser julgadas por suas ascendências étnicas para seguirem uma regra comum a um território mais abrangente.

          A grosso modo, o Direito medieval foi marcado, sobretudo, pelo pluralismo, “uma superposição de ordenamentos jurídicos dentro de uma mesma sociedade, cada qual ligada a uma determinada organização social”. (COSTA, 2001) Dessa forma, apesar da existência de um direito canônico escrito e comum, os vários feudos possuíam seus respectivos costumes no âmbito secular, que regiam suas interações sociais. Com a progressiva redução do isolamento, as várias tradições foram, de forma gradual, condensadas em compilações jurídicas que, posteriormente, abririam caminho para uma maior codificação das normas e um novo momento na história do Direito.


  1. As relações de suserania e vassalagem eram baseadas em contratos de lealdade. O senhor feudal – suserano – fragmentava as terras sob sua tutela, de forma a delegar sua gestão a terceiros, denominados vassalos. Estes, em contrapartida, deviam-lhe fidelidade, apoio em guerras e uma parcela da produção. Esses beneficiários, por sua vez, acabavam por repetir o processo de divisão, tornando-se suseranos de outros vassalos e assumindo o dever de proteger seus subordinados.
  2. Os portugueses, desde o Século XIII, já apresentavam um “aparelho estatal capaz de exercer uma influência efetiva e verdadeiramente unificadora sobre todo o país”, o que, em outras regiões, ocorreria somente séculos mais tarde. (MATTOSO, 2000)
  3. Em Olivier Devaux (Histoire des Instituitions de la France, p. 187-188), o direito consuetudinário é definido como “uma prática jurídica não-escrita […], consagrada pelo hábito, adquirindo força obrigatória para os membros do grupo envolvido”.

  1. Referências

          BLOCH, Marc. Os Fundamentos do Direito. In. BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1979. p 133-144.

          LE GOFF, Jacques. La baja edad media. 17. ed. México: Siglo Veintiuno, 1986. 336 p.

          RESENDE, Ana Catarina Zema de. Da justica e dos direitos senhoriais na obra de philippe de beaumanoir: Coutumes de beauvaisis. Brasilia, 1997. 124 f

          DAVIS, Kathleen. Sovereign Subjects, Feudal Law, and the Writing of History. Journal of Medieval and Early Modern Studies. Durham, v. 36, n. 2, p. 223-262, 2006.

          DELANEY, David. Running with the land: legal-historical imagination and the spaces of modernity. Journal of Historical Geography. Nova Iorque, v. 27, n. 4, p. 493-506, 2001.

          MATTOSO, José. A formação da nacionalidade. In: TENGARRINHA, José. História de Portugal. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, Fundação Editora da Universidade Estadual de São Paulo, 2000.

          COSTA, Alexandre A. Introdução ao Direito: uma perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Alegre: Fabris, 2001.

Circumcised Antigone

  1. Antigone

        Antigone is a tragedy by Sophocles, the third of the three Theban plays, which also include Oedipus the King and Oedipus at Colonus. In Greek Mithology, Antigone, as well as her siblings Ismene, Polyneices and Eteocles, is the progeny of an incestuous relationship between Oedipus and Jocasta.

        In the play, the character is a great example of fraternal love. Her brothers, Polyneices and Eteocles, quarrel in order to inherit the throne of Thebas. Both die during the brawl, allowing Creon, their uncle, to take over the role of monarch. Consequently, according to the orders of the new ruler, Eteocles is ensepulchered properly, while Polyneices, deemed a betrayer, is left where he perished, for the purpose of allowing that the putrefaction and the decay of his corpse evince his renegade status.

        Antigone decides to bury her traitorous brother, arguing that her fraternal love for him is greater than honor or superior behests, handseling a conflict with the ruling king. Sofocles introduces then the confrontation between duties and values, acknowledging that clashes can arise from two valid but dissentient presuppositions.

        In the framework of Law, the play illustrates the contraposition between natural law and positive law, with a relative prevalence of the natural counterpart. The antagonistic positioning of Creon (positive) and Antigone (natural) is made clear during the development of the plot, despite them both attempting to reach the same goal: doing justice based on their own ideals.

        The fact that human rationality accrues from divine blessings is also brought forward in the tragedy. Laws are, then, not mere arbitrary celestial volitions, but are codes of conduct shared with mankind via senses, faith and also acumen. Hence, a pertinent question is made possible: “if the ability to reason is mankind’s greater godly grace, then is the justice expressed by heavenly laws rationally valid and reliable enough to be shared?” (ALVES, 2005)

  1. Circumcision and its effects

        Female circumcision consists on the complete or partial removal of a woman’s external genital organs. Although rejected by the international community and the Human Rights Watch, the procedure is still very commonly found in certain parts of Asia and in the African continent, being more frequent in areas near the Nile and in Sub-Saharan countries.

        Even though such medical procedure is part of a wide range of cultures, there is no consensus regarding its main justification. Among the most frequently pointed out reasons are traditional religious coercion, possible future valorization of the woman via payment of a more expensive dowry and attempt to ensure female chastity and femininity until marriage through suppression of sexual desire. Circumcision, which does not possess a scientific basis or proven health benefits, is performed, usually, when women reach puberty, however can be performed at any age. (EL-GIBALY et al, 2002; ABD-ELLAH et al, 2011)

        Considering the country of Egypt specifically, it is possible to observe that, even with frequent intervention by international health organizations and the government, the citizens resist to eradicate clitoridectomies.  According to a Demographic and Health Surveys research made in 2013, the craving for social acceptance can frequently outshine the possible health consequences to females who undergo the procedure, which include infection, swelling and infertility, among others.

        Therefore, female genital cutting is still a very widespread ritual, albeit it has been banned by Egyptian law. In 2007, an infibulation attempt led to a teenager’s death by hemorrhagic shock, what started a heathen debate and consequent criminalization of the technique. The discussion about sexual mutilation in Egypt exists since the decade of 1950 and, whilst the Egyptian Ministry of Health published, in 1959, a decree that prohibits the ritual without endorsement by a licensed physician, little to no action was taken until the 21st century. (CLARK et al, 2002)

  1. Circumcised Antigone

         Contemporaneously, moral antagonisms like the ones described in Antigone still happen, however not because of the same purposes. The disagreement between personal principles and social exigencies and governmental power can be seen in several social organizations around the globe, with either more or less intensity.

        Taking the Egyptian situation into consideration, it is possible to stablish a parallel between the Greek play and the occurrence of clitoridectomies. For this purpose, a hypothetic situation is considered: a woman, Egyptian and circumcised, intends to give in her pubescent daughter to undergo the procedure and perpetuate the religious and social tradition.

        The moral coercion is exerted by the community where both women live: its citizens, rules, rituals and dogmas. Since the value as an individual and consequent social belonging of a female in such society depend exclusively on being infibulated, there is a veiled yet very strong coercive obligation imposed by factors external to their wills.

        On the other hand, the governmental power, here represented by the Egyptian Law and its punitive mechanisms, means to preclude Antigone, the aforementioned woman, from fulfilling the moral duty of giving her daughter away for circumcision.

        This way, Antigone is put under a moral conflict between her values – reckoned by her as superior than any mundane law – and legal constraint on behalf of public health.

        Analyzing such picture, the power to decide what is wrong or right will be assigned to whom? Which of the two sides can be deemed correct over the other? Such barriers permeate a considerable amount of social debates and present a fair number of opposing opinions and consequent dilemmas to come to a reasonable conclusion. It is up to every individual, making use of the best judgement possible, to reassess their concepts of “good” and “bad” and their consequential and circumstantial applicability.

  1. References

 CHELALA, C. Egypt takes decisive stance against female genital mutilation. The Lancet, Londres, v. 315, p. 120, 10 jan. 1998.

RICH, V. Egypt against female circumcision. The Lancet, Londres, v.344, p. 1146, 22 out. 1994.

EL-GIBALY, O.; IBRAHIM, B.; MENSCH, B.; CLARK, W.. The decline of female circumcision in Egypt: evidence and interpretation. Social Science & Medicine, Nova Iorque, v. 54, p. 205–220, 2002.

RASHEED, S.; ABD-ELLAH, A.; YOUSEF, F.. Female genital mutilation in Upper Egypt in the new millennium. International Journal of Gynecology and Obstetrics, Cairo, v. 144, p. 47-50, 22 mar. 2011.

DEMOGRAPHIC AND HEALTH SURVEYS. Female Genital Cutting: The Interpretation of Recent DHS Data. Disponível em: http://dhsprogram.com/pubs/pdf/CR33/CR33.pdf. Acesso em: 22 de abr. 2015.

ANOUILH, J. Antigone. Paris: Bordas, 1968. 125p.

ALVES, M. Uma Leitura Crítica de Antígona para o Direito. Novos Estudos Jurídicos, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p.325- 376, jul/dez. 2005.

Antígona Circuncidada

  1. Antígona

            Antígona é uma obra clássica do dramaturgo grego Sófocles, parte da Trilogia Tebana, que também inclui Édipo Rei e Édipo em Colono. Na mitologia oriunda da Grécia, Antígona, assim como seus irmãos irmã de Ismênia, Polinice e Etéocles, é fruto de incesto entre Édipo e Jocasta.

            Na peça, a personagem é um grande exemplo de amor fraternal. Seus irmãos, Etéocles e Polinice, lutam entre si com o objetivo de assumir o controle de Tebas. Ambos morrem durante a batalha, possibilitando que Creonte, seu tio, assuma o posto de rei. Consequentemente, por ordem do novo governante, Etéocles é enterrado conforme a tradição, enquanto o corpo de Polinice é deixado onde caiu, a fim de que a putrefação e dilaceramento demonstrassem sua condição de traidor.

            Antigona decide enterrar seu irmão, argumentando que o amor por ele seria mais importante que honra ou ordens superiores, gerando um conflito entre ela o então monarca. Sófocles introduz, a partir dessa oposição, o conflito entre dever e valores, reconhecendo que conflitos podem ser oriundos de dois pressupostos válidos, conquanto opostos.

            No âmbito do Direito, a peça ilustra o conflito entre direito natural e direito positivo, com prevalência relativa do direito natural. A posição antagônica entre Creonte (positiva) e Antígona (natural) é clara durante o desenvolvimento do enredo, embora ambos procurem atingir o mesmo objetivo: a promoção da justiça com base em seu próprio ideal.

            Durante o desenvolvimento da peça, é introduzido o fato de que a racionalidade humana advém de bênçãos divinas. As leis, então, não são apenas vontades arbitrarias dos deuses, são divididas com a humanidade pelos canais sensíveis, de fé e também razão. Sendo assim, é levantado um questionamento pertinente: “se a razão é o bem maior dos seres humanos e é dada pelos deuses, então a justiça que as leis divinas expressam é uma justiça racionalmente válida e compartilhada?” (ALVES, 2005)

“[…] Em nome da autoridade de quem governa e da eficácia administrativa, Creonte reivindica a separação entre o legal e o moral: o moralmente justo nem sempre coincide com o legalmente justo, e o que é legal é apenas aquilo que emana da vontade daquele, ou daqueles, que tem poder para fazer as leis e para impor a obediência irrestrita a elas.” (ALVES, 2005)

  1. A circuncisão e seus efeitos

            A circuncisão feminina consiste na remoção total ou parcial da genitália externa da mulher. Apesar de condenada pelos direitos humanos e pela comunidade internacional, a prática ainda é bastante difundida em partes da Ásia e no continente africano, com mais incidência na área próxima ao leito do Rio Nilo e na África Subsaariana.

            Apesar de essa prática ser parte integrante de diversas culturas, não há consenso sobre a motivação principal para sua execução. Entre os motivos mais frequentes apontados estão a coerção exercida pela tradição de viés religioso, a valorização da mulher perante o pagamento de um possível dote e a tentativa de garantir a castidade feminina e a feminilidade até o casamento pela supressão do apetite sexual. O procedimento, que não possui embasamento científico ou benefícios de saúde comprovados, é realizado, geralmente, assim que as mulheres atingem a puberdade, entretanto pode se estender para qualquer idade. (EL-GIBALY et al, 2002; ABD-ELLAH et al, 2011)

            Tomando-se o Egito contemporâneo como estudo de caso, é possível observar que, mesmo com frequentes ações de conscientização por parte de organizações de saúde internacionais e divulgação midiática advinda do Estado, a população egípcia resiste ao desaparecimento da mutilação feminina. De acordo com pesquisa feita pela Demographic and Health Surveys no ano de 2013, a vontade da aceitação social pode, por muitas vezes, suplantar os riscos à saúde de quem se submete à prática, que incluem infecção, cicatrização inelástica, inchaço e infertilidade, entre outros.

            Sendo assim, a mutilação genital feminina ainda é um procedimento muito realizado, embora tenha sofrido proibição pela lei do país em dois mil e sete. Nesse ano, a operação levou a morte uma adolescente por hemorragia, o que estimulou a discussão sobre e a consequente criminalização da técnica. O debate sobre a mutilação no Egito existe desde a década de 1950 e, embora o Ministério da Saúde egípcio tenha publicado em 1959 um decreto que proibia a execução do procedimento sem expressa autorização médica, pouco foi feito até o início do Século XXI. (CLARK et al, 2002)

  1. Antígona circuncidada

“De onde deriva, em última instância, a legitimidade das normas estatais? Até que ponto as leis da polis devem coincidir com as leis divinas? As leis são uma realidade em si, têm um caráter divino, metafísico, ou […] são meras convenções, bastantes úteis para assegurar o convívio em sociedade e o predomínio dos mais fortes sobre os mais fracos?” (ALVES, 2005)

            Em um contexto atual, embates morais como os que são descritos em Antígona ainda acontecem, contudo não pelos mesmos motivos. O antagonismo entre princípios e exigências morais e o poder estatal ainda pode ser observado em várias sociedades ao redor do planeta, com mais ou menos intensidade.

            No caso do Egito, é possível estabelecer um paralelo entre a obra grega e a situação da mutilação genital feminina. Considera-se, para tal fim, um caso hipotético: uma mulher, egípcia e circuncidada, tem o desejo de que a filha adolescente seja submetida ao procedimento a fim de perpetuar um costume religioso.

            No âmbito da coerção moral, o papel é exercido pela sociedade onde ambas vivem: seus integrantes, dogmas, regras e costumes. Visto que a elegibilidade que uma pessoa do sexo feminino advém, no que diz respeito à aceitação e participação ativa em seu contexto social, da realização desse procedimento, é criada então uma certa obrigação imposta por uma força externa.

            Em contrapartida, o poder coativo legal, nesse caso identificado como o Estado egípcio e seus mecanismos de punição, visa impossibilitar que Antígona, no caso a mulher supracitada, não exercite seu dever moral de submeter a filha a uma circuncisão.

            Dessa forma, Antígona, ao desejar que o procedimento seja realizado na filha, coloca-se em uma oposição de sua moral – entendida por ela como superior à lei dos magistrados – contra a lei do Estado, que defende a extinção da prática em nome do bem público.

            Ao observar esse quadro, a quem caberá decidir o que é correto ou irregular? Qual das duas partes sairá com a razão em detrimento da outra? Esses entraves permeiam diversas discussões sociais e apresentam certo nível de oposição e consequente dificuldade para sua conclusão. Resta a cada indivíduo, observando possíveis represálias e com bastante bom senso, reavaliar seus conceitos de “bem e mal” e sua aplicabilidade.

  1. Referências bibliográficas

CHELALA, C. Egypt takes decisive stance against female genital mutilation. The Lancet, Londres, v. 315, p. 120, 10 jan. 1998.

RICH, V. Egypt against female circumcision. The Lancet, Londres, v.344, p. 1146, 22 out. 1994.

EL-GIBALY, O.; IBRAHIM, B.; MENSCH, B.; CLARK, W.. The decline of female circumcision in Egypt: evidence and interpretation. Social Science & Medicine, Nova Iorque, v. 54, p. 205–220, 2002.

RASHEED, S.; ABD-ELLAH, A.; YOUSEF, F.. Female genital mutilation in Upper Egypt in the new millennium. International Journal of Gynecology and Obstetrics, Cairo, v. 144, p. 47-50, 22 mar. 2011.

DEMOGRAPHIC AND HEALTH SURVEYS. Female Genital Cutting: The Interpretation of Recent DHS Data. Disponível em: http://dhsprogram.com/pubs/pdf/CR33/CR33.pdf. Acesso em: 22 de abr. 2015.

ANOUILH, J. Antigone. Paris: Bordas, 1968. 125p.

ALVES, M. Uma Leitura Crítica de Antígona para o Direito. Novos Estudos Jurídicos, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p.325- 376, jul/dez. 2005.

A ponte e as pedras de Marco Polo

Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
– Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? —pergunta Kublai Khan.
– A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra —responde Marco—, mas pela curva do arco que estas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
– Por que falar em pedras? Só o arco me interessa.
Polo responde:
– Sem pedras, o arco não existe.
(CALVINO; 1990)

          Marco Polo e Kublai Klan, ao debaterem sobre a ponte no livro Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, fazem dela um ponto de partida para uma discussão bem mais abrangente: a maneira como se dá a existência das coisas. A partir da análise desse diálogo, pode-se depreender que, para eles, a natureza ocorre em caráter duplo: abstrato – o arco – e material – as pedras.

          É interessante notar que essa concepção de dupla natureza é observada desde a Antiguidade Clássica. Seu início se deu no dualismo de Platão, baseado em ideias contrárias às propostas por Polo. Para o filósofo, os mundos sensível e inteligível não são complementares, mas sim excludentes. O primeiro é caracterizado como sombra e corrupção do segundo. Dentro da teoria platônica, o “mundo das ideias” estabelece um parâmetro de comparação pelo qual, através da abstração, podemos analisar o concreto.

          Já no que diz respeito à analogia de Polo, o concreto não deriva do abstrato. As pedras possibilitam, da forma como são assentadas conjuntamente ao longo arco, a formação da cadeia que dá origem à ponte. Nesse sentido, o texto permite a extrapolação desse raciocínio para outros sistemas para fins comparativos. Seria permitido, assim, fazer um paralelo com o Direito e a interação entre seus componentes básicos. Estabelece-se então que a formação do Direito se baseia na intersubjetividade entre indivíduos (pedras), que, somados a uma formação das normas e suas características (arcos), constituem parte dessa área do conhecimento (ponte).

          Uma vez que arcos por si mesmos não existem, mas que ganham forma com as várias pedras que dele fazem parte, não há um conjunto delimitado de coisas que possa ser chamado de Direito, mas sim um campo de diversas aéreas que o compõem e que juntas, entrelaçadas, formam o sistema denominado Direito. É importante a valorização das múltiplas interpretações de uma ação social e suas consequências no que diz respeito à organização e planejamento de ideias, de forma a consolidar arcos e pedras em pontes como um todo. Por conseguinte, a formação de outros arcos expande a ligação entre variadas pontes que contribuem para o a formação de um Direito integrado à sociedade.

          No entanto, podemos ver o Direito não só como o objeto final, a ligação entre pontes, mas também como o arco que possibilita a manutenção da sociedade. Sob essa análise, a população é composta de pedras diversas entre si que precisam de um apoio que lhes confira coesão afim de que sua interação se torne factível e possível. Consequentemente, o Direito pode ocupar dois papéis de fundamental importância: o de manutenção social pela dominação de uma classe ou de meio promotor de melhorias na sociedade.

          Se o seu uso for direcionado ao primeiro caso, as suas normas jurídicas e a coercibilidade a favor de uma parcela restrita da população estarão mascaradas por uma ideologia de dissimulação da realidade em que o monopólio do uso da força reivindicado pelo Estado agirá não pela promoção da justiça, a que o Direito afirma se propor, mas ao seu oposto, à ampliação das desigualdades sociais.

          Por outro lado, se o segundo caso for o determinante, observar-se-á uma junção das perspectivas zetética e dogmática do Direito, de tal forma que aquela reflita sobre as normas jurídicas vigentes, tentando aprimorá-las, e esta vise a sua aplicação efetiva no plano prático, alcançando-se um código mais justo e, concomitantemente, eficaz.

          Como anteriormente salientado, essa linha de raciocínio não é restrita. É possível pensá-la em termos biológicos, por exemplo. Tomando-se o ser humano como objeto de estudo, o estômago não secreta suco gástrico para a digestão de proteínas sem o comando emitido pelo sistema nervoso. Este, por sua vez, nada consegue fazer se a ele não chegar o sangue, que deve ser filtrado pelos rins, pois, de outra forma, acumula excretas e acaba por tornar-se tóxico.

          Do mesmo modo, a Geografia, ao estudar o espaço geográfico, ocupa-se da interação entre clima, população e diversos outros fatores. Obviamente, os lapões não vivem da mesma maneira nem transformam o espaço da mesma forma que fazem as tribos nômades africanas que ocupam a região do deserto do Saara. Tomando como pressuposto essas análises, poderíamos pensar o organismo humano e o espaço geográfico como pontes; os tecidos e órgãos e sistemas e o clima e as pessoas como pedras; e a relação de interdependência necessária como arco.

          Não obstante, abordar temas como o Direito, a Biologia e a Geografia pode causar a falsa impressão de que tal método somente exerce sua funcionalidade para situações cujo objeto de análise é reconhecido como provável ou como certo. Por exemplo, dificilmente o senso comum duvidará de que o corpo precisa de que o sangue circule e de que os órgãos funcionem, ou de que pessoas que vivam em ambientes climáticos bastantes diferentes se relacionem com a natureza exatamente da mesma maneira.

          Contudo, podemos ampliar esse método indagativo para situações cujo alvo são seres considerados irreais e abstrações da mente, tais como fadas, bruxas, gnomos. Ao fazê-lo, percebe-se que a eles pode caber o papel de pedras, em vez do de arco. Para tanto, considera-se a situação em que uma criança acredita haver um monstro debaixo da cama. Ao mesmo tempo que muitos diriam que tal criatura não passa de uma invenção imaginativa, o monstro, tal como o pai inspira conforto e tranquilidade, provoca medo, angústia. Dessa forma, o papel exercido por ambos é idêntico: a interação com o menino(a) e a impressão de sensações. Como consequência, podem ser identificados como pedras. Os sentimentos causados fazem com que haja uma relação entre os presentes e classifica-se, então, como arco. Ora, se o monstro não afligisse e o pai não auxiliasse, não haveria interação entre ambos e a criança, seriam pedras soltas que não se encaixariam para formar a ponte, a situação vivida.

          Da mesma forma, o fato de objetos caírem pode ser explicado por uma suposta criatura que interage com a matéria, levando-a para baixo. Dessa forma, como no exemplo anterior, o ser místico assumiria a função de pedra, e seu contato com o objeto, que promove a ligação entre ambos, a função de arco, ao permitir a união dos participantes para a conclusão da ponte.

          Em suma, as relações hipotéticas aqui estabelecidas visam acabar com barreiras que seriam um empecilho ao maior entendimento sobre o assunto, visto que a delimitação de um campo o singulariza e, portanto, elimina fatores de suma importância. No campo do Direito, não é priorizada a elaboração um método científico rígido com pretensões de alcançar conhecimento seguro, haja vista que, como toda ciência que trata das relações humanas, não é possível alcançar plena exatidão em suas afirmações. Entretanto, há a tentativa de aproximar-se o máximo possível dos acontecimentos vividos em sociedade na intenção de elaborar uma nova maneira de pensar e interpretar o mundo e a realidade.

Referências bibliográficas

COSTA, Alexandre A. Introdução ao Direito: uma perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Alegre: Fabris, 2001.

SCHMITTER , Philipe. C. Reflexões sobre o conceito de política. In Cadernos da Unb, Brasília Edunb, s/d.

CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.